Singularidade Tecnológica

25.4.06

A Fusão Homem e Máquina: estamos indo na direção de Matrix?

por Ray Kurzweil

Muitos expectadores de Matrix consideram os elementos mais fantásticos do filme – computadores inteligentes, download de informações para o cérebro humano, realidade virtual indistinguível da vida real – como divertidos enquanto ficção científica, mas bastante remotos da vida real. Muitos expectadores podem estar errados. Conforme explica o renomado cientista computacional e empresário Ray Kurzweil, esses elementos são muito possíveis e é bem provável que eles se tornem uma realidade ainda durante nossas vidas.

A ser publicado em Taking the Red Pill: Science, Philosophy and Relogion in The Matrix (Ben Bella Books, abril de 2003). Publicado no KurzweilAI.net em 3 de março de 2003.

Matrix se passa em um mundo cem anos no futuro, um mundo que oferece uma ordem aparentemente miraculosa de maravilhas tecnológicas – programas sencientes (ainda que maléficos), a habilidade de baixar capacidades diretamente para o cérebro humano, e a criação de realidades virtuais indistinguíveis do mundo real. Para muitos expectadores esse desenvolvimento pode parecer pura ficção científica: interessante de ser considerado, mas de pouca relevância para o mundo fora da sala de cinema. Mas essa é uma visão limitada. Na minha visão, esse desenvolvimento irá se tornar uma realidade dentro das próximas três a quatro décadas.

Tornei-me um estudante das tendências tecnológicas como uma conseqüência de minha carreira como inventor. Se você trabalha em criar tecnologias, você precisa antecipar onde a tecnologia estará em certos pontos no futuro, de forma que seu projeto será praticável e útil quando estiver completo, e não apenas quando você o começar. Ao longo de algumas décadas de antecipação de tecnologia, tornei-me um estudante das tendências tecnológicas e desenvolvi modelos matemáticos de como tecnologias em áreas diferentes estão sendo desenvolvidas.

Isso me deu a habilidade de inventar coisas que utilizam materiais do futuro, não limitando minhas idéias aos recursos que temos hoje. Alan Kay lembrou, "Para antecipar o futuro precisamos inventá-lo". Assim podemos inventar com capacidades futuras, se tivermos alguma idéia de quais serão elas.

Talvez o insight mais importante que obtive, com o qual as pessoas são rápidas em concordar mas muito vagarosas em realmente internalizar e apreciar todas as suas conseqüências, é o passo acelerado da própria mudança técnica.

Um recebedor do Nobel recentemente me disse: "De jeito nenhum veremos entidades nanotecnológicas auto-replicantes por pelo menos cem anos". Sm, essa é de fato uma estimativa razoável da quantidade de trabalho necessária. Levará cem anos de progresso, na velocidade atual de progresso, para termos entidades nanotecnológicas auto-replicantes. Mas a velocidade de progresso não vai permanecer na atual; de acordo com meus modelos, ela está dobrando a cada década.

Realizaremos cem anos de progresso na velocidade atual de progresso em 25 anos. Os próximos dez anos serão como vinte, e os dez anos seguintes serão como 40. O século XXI será, portanto, como 20,000 anos de progresso – na velocidade atual. O século XX, por mais revolucionário que tenha sido, não teve cem anos de progresso na velocidade atual; desde que aceleramos até a velocidade atual, foram de fato quase 20 anos de progresso. O século XXI será aproximadamente mil vezes maior, em termos de mudança e alteração de paradigma, do que o século XX.

Muitas dessas tendências derivam de reflexões sobre as implicações da Lei de Moore. A Lei de Moore se refere a circuitos integrados e declara notavelmente que o poder computacional disponível por um determinado preço dobra a cada 20 a 24 meses. A Lei de Moore tornou-se um sinônimo do crescimento exponencial em computação.

Venho pensando sobre a Lei de Moore e seu contexto por pelo menos vinte anos. Qual é a verdadeira natureza dessa tendência exponencial? De onde ela vem? Ela é um exemplo de algo mais profundo e mais sério? Como mostrarei, o crescimento exponencial da computação vai substancialmente além da Lei de Moore. De fato, o crescimento exponencial vai além da simples computação, e se aplica a todas as áreas de tecnologias baseadas em informação, tecnologias que irão fundamentalmente remodelar nosso mundo.

Observadores têm apontado para o fato de que a Lei de Moore irá chegar a um fim. De acordo com a Intel e alguns outros especialistas da indústria, ficaremos sem espaço em um circuito integrado dentro de quinze anos, porque os atributos principais terão apenas alguns átomos de espessura. Então será esse o fim do crescimento exponencial em computação?


Essa é uma pergunta muito importante, ao considerarmos a natureza do século XXI. Para resolvê-la, coloquei 49 computadores famosos em um gráfico exponencial. Abaixo, na mão do canto inferior esquerdo está o maquinário de processamento de dados usado no censo norte-americano de 1890 (um equipamento de cálculos que usava cartões perfuráveis). Em 1940, Alan Turing desenvolveu um computador baseado em transmissões telefônicas (relays), que decifrou a enigmática criptografia alemã e deu a Winston Churchill uma transcrição de quase todas as mensagens Nazistas. Churchill precisou usar essas transcrições com grande discrição, porque ele percebeu que usá-las poderia dar a dica aos alemães prematuramente.

Se, por exemplo, ele tivesse avisado as autoridades em Coventry que sua cidade estava para ser bombardeada, os alemães teriam visto os arranjos e percebido que seu código tinha sido decifrado. Contudo, na Batalha da Bretanha, os pilotos ingleses pareciam “magicamente” saber onde estavam os pilotos alemães o tempo todo.

Em 1952, a CBS utilizou um computador mais sofisticado, baseado em tubos de vácuo, para prever a eleição de um presidente dos EUA, o presidente Eisenhower. Na mão do canto superior direito está o computador que está na sua mesa, neste momento.



Um insight que podemos perceber nesse quadro é que a Lei de Moore não foi o primeiro, mas o quinto paradigma a fornecer crescimento exponencial de poder computacional. Cada linha vertical representa o movimento para um paradigma diferente: eletro-mecânico, baseado em transmissão, tubos de vácuo, transístores, circuitos integrados. Cada vez que um paradigma perdia sua força, outro paradigma entrava em ação e continuava de onde aquele havia parado.

As pessoas são rápidas em criticar tendências exponenciais, dizendo que no fim elas terminam ficando sem recursos, como os coelhos na Austrália. Mas cada vez que um paradigma particular alcançava seus limites, outro método, completamente diferente, continuava o crescimento exponencial. Eles foram fabricando tubos de vácuo menores e menores até que finalmente chegaram ao ponto em que não poderiam fazê-los ainda menores e manter o vácuo ao mesmo tempo. Então vieram os transístores, que não são apenas tubos de vácuo pequenos. Eles são um paradigma completamente diferente.

Cada nível horizontal, nesse gráfico, representa uma multiplicação de poder computacional por um fator de cem. Uma linha reta em um gráfico exponencial significa crescimento exponencial. O que vemos aqui é que a velocidade de crescimento exponencial está por si só crescendo exponencialmente. Dobramos o poder computacional a cada três anos no começo do século, a cada dois anos na metade, e agora estamos dobrando a cada ano.

O que o sexto paradigma será é óbvio: computação em três dimensões. Afinal, vivemos num mundo tridimensional e nosso cérebro é organizado em três dimensões. O cérebro utiliza um tipo muito ineficiente de circuito. Os neurônios são "dispositivos" muito grandes, e eles são extremamente vagarosos. Eles usam sinalização eletro-química, que produz apenas aproximadamente 200 cálculos por segundo, mas o cérebro consegue seu prodigioso poder de computação paralela como resultado de sua organização em três dimensões. Tecnologias de computação em três dimensões estão começando a emergir. Há uma tecnologia experimental no Media Lab do MIT que possui 300 camadas de circuitos. Em anos recentes, vem havendo passos largos e substanciais no desenvolvimento de circuitos tridimensionais que operam a nível molecular.

Nanotubos, meus favoritos, são arranjos hexagonais de átomos de carbono que podem ser organizados para formar qualquer tipo de circuito eletrônico. É possível criar o equivalente de transístores e outros dispositivos elétricos. Eles são fisicamente muito fortes, com 50 vezes a força do aço. As questões térmicas parecem ser controláveis. Um cubo de uma polegada de circuitos de nanotubos seria um milhão de vezes mais poderoso do que a capacidade computacional do cérebro humano.

Nos últimos anos, houve um oceano de mudanças no nível de segurança, na construção de circuitos tridimensionais com a capacidade de ao menos emular inteligência humana. Isso trouxe à tona uma questão mais importante, ou seja "a Lei de Moore pode ser verdadeira para hardware, mas não é para software".

Com minhas próprias quatro décadas de experiência em desenvolvimento de software, acredito que este não seja o caso. Produtividade de software é algo que tem melhorado muito rapidamente. Como um exemplo de uma de minhas companhias, em 15 anos fomos de um sistema de reconhecimento de fala de U$5,000 que mal reconhecia mil palavras, sem continuous speech, para um produto de U$50 com um vocabulário de cem mil palavras que é de longe mais preciso. Isso é típico em produtos de software. Com todos os esforços em novas ferramentas de desenvolvimento de software, a produtividade também tem crescido exponencialmente, ainda que com um exponencial menor do que o que vemos em hardware.

Muitas outras tecnologias estão melhorando exponencialmente. Quando o Projeto Genoma foi iniciado, há aproximadamente 15 anos, céticos apontaram para o fato de que, na velocidade em que poderíamos mapear o genoma, levariam 10,000 anos para terminar o projeto. A visão mainstream era a de que o projeto poderia receber aperfeiçoamentos, mas de forma alguma o poderia estar completo em 15 anos. Mas o custo-benefício e o ritmo de transferência de sequenciamento de DNA dobraram a cada ano, e o projeto estava completo em menos de 15 anos. Em doze anos, fomos de um custo de U$10 para seqüenciar um par de bases de DNA para um décimo de um centavo.

Até mesmo a longevidade tem melhorado exponencialmente. No século XVIII, a cada ano adicionávamos alguns dias de vida à expectativa de vida humana. Durante o século XIX, a cada ano, adicionávamos algumas semanas. Agora estamos adicionando cerca de 120 dias a cada ano à expectativa de vida humana. E com as revoluções ainda em um estágio inicial em genômica, clonagem terapêutica, projeto racional de medicamentos, e outras transformações da biotecnologia, muitos observadores, incluindo eu mesmo, antecipam que dentro de dez anos estaremos adicionando mais de um ano, a cada ano. Então, se você puder segurar aí por mais dez anos, chegaremos à frente da poderosa curva e poderemos viver tempo suficiente para ver o extraordinário século posterior.

A miniaturização é outra tendência exponencial muito importante. Estamos tornando as coisas menores a uma velocidade de 5.6 por dimensão linear por década. Bill Joy, em um ensaio seguindo este aqui, tem, como uma de suas recomendações, a de essencialmente abdicar da nanotecnologia. Mas a nanotecnologia não é um único campo, unificado, empreendido apenas por nanotecnólogos. A nanotecnologia é simplesmente o resultado final da tendência difusiva de tornar coisas menores, o que temos feito por muitas décadas.



Acima, um quadro do crescimento exponencial em computação, projetado dentro do século XXI. Neste momento, seu típico PC de U$1,000 está em algum lugar entre o cérebro de um inseto e o de um rato. O cérebro humano tem aproximadamente 100 bilhões de neurônios, com cerca de 1,000 conexões de um neurônio para o outro. Essas conexões operam muito devagar, na ordem de 200 cálculos por segundo, mas 100 bilhões de neurônios vezes 1,000 conexões cria um paralelismo de 100 trilhões de dobras. Multiplicando isso por 200 cálculos por segundo tem-se 20 milhões bilhões de cálculos por segundo ou, em terminologia computacional, 20 bilhões de MIPS. Teremos 20 bilhões de MIPS por U$1,000 pelo ano de 2020.

Agora, isso não vai nos dar, automaticamente, níveis humanos de inteligência, porque a organização, o software, o conteúdo e o conhecimento embutidos são igualmente importantes. Abaixo, abordo o cenário no qual prevejo alcançarmos o software da inteligência humana, mas pressuponho ser claro termos o poder computacional necessário. Por 2050, U$1,000 de computação será igual a um bilhão de cérebros humanos. Isso pode acontecer em um ano ou dois, mas o século XXI não estará precisando de recursos computacionais.

Agora, vamos considerar o sistema de realidade virtual previsto por Matrix – uma realidade virtual que é indiscernível da realidade verdadeira. Isso seria possível, mas critico um ponto. O pesado cabo entrando na haste cerebral de Neo serviu para um visual poderoso, mas é desnecessário; todas essas conexões poderiam ser sem fios. Vamos para 2029, juntando algumas das tendências que abordei. Por essa época, poderemos construir nanobots, robôs de tamanho microscópico que podem entrar em nossos vasos capilares e viajar através de nosso cérebro, além de mapear o cérebro por dentro. Podemos construí-los muito pequenos, mas vamos poder fazê-los suficientemente pequenos.

O Departamento de Defesa está desenvolvendo minúsculos dispositivos robóticos chamados "Smart Dust". A geração atual é de um milímetro – que é grande demais para esse cenário – mas esses minúsculos dispositivos podem ser lançados de um avião e encontrar posições com excelente precisão. Você pode ter vários milhares desses em uma rede local sem fios. Eles podem captar imagens, comunicar-se entre si, coordenar-se, mandar mensagens de volta, agir como espiões quase invisíveis, e cumprir uma variedade de objetivos militares.

Já estamos construindo dispositivos do tamanho de hemáceas, capazes de ir para dentro da corrente sangüínea, e existem quatro grandes conferências sobre o tópico "bioMEMS" (biological Micro Electronic Mechanical Systems). Os nanobots que prevejo para 2029 não irão precisar, necessariamente, de sua própria navegação. Eles poderiam se mover involuntariamente pela corrente sangüínea e, conforme viajam por características neurais diferentes, comunicar-se com elas da mesma forma que agora nos comunicamos com as diferentes células dentro de um sistema de telefone celular.

O mapeamento cerebral, as velocidades e custos envolvidos estão todos explodindo exponencialmente. Com cada nova geração de mapeamento cerebral, podemos ver com uma resolução cada vez mais precisa. Existe uma tecnologia hoje que nos permite ver muitos dos detalhes importantes do cérebro humano. É claro que ainda não existe um entendimento total quanto à quais são esses detalhes, mas podemos ver características cerebrais com uma resolução muito alta, desde que a ponta to scanner esteja bem próxima das características. Podemos mapear um cérebro hoje e ver a atividade cerebral com detalhes muito precisos; tendo apenas que mover a ponta do scanner através de todo o cérebro, de forma que ele esteja muito próximo de cada característica neural.

Agora, como vamos fazer iso sem bagunçar as coisas? A resposta é mandar os scanners para dentro do cérebro. Por padrão, nossos capilares viajam por cada conexão interneural, cada neurônio e cada característica neural. Podemos mandar bilhões desses robôs de mapeamento, todos em uma rede local sem fios, e eles mapeariam o cérebro de dentro e criariam um mapa de altíssima resolução de tudo o que está acontecendo.

O que vamos fazer com a massiva base de dados de informações neurais que se desenvolverá? Uma coisa que faremos é a engenharia reversa do cérebro, ou seja, entender os princípios básicos de como ele funciona. Esse é um esforço que já começamos. Já temos mapas de alta resolução de certas áreas do cérebro. O cérebro não é só um órgão; ele engloba várias centenas de regiões especializadas, cada uma organizada de forma diferente. Mapeamos certas áreas do córtex visual e auditivo, e usamos essa informação para desenhar softwares mais inteligentes. Carver Mead, da Caltech, por exemplo, desenvolveu chips analógicos poderosos e digitalmente controlados, baseados nesses modelos biologicamente inspirados de engenharia reversa, de porções dos sistemas visual e auditivo. Seus chips sensitivos visuais são usados em câmeras digitais de alto padrão.

Temos demonstrado que estamos aptos a entender esses algoritmos, mas eles são diferentes dos algoritmos que tipicamente rodamos em nossos computadores. Eles não são seqüenciais e não são lógicos; eles são caóticos, altamente paralelos e auto-organizáveis. Eles têm uma natureza holográfica, no sentido de que não há um neurônio chief-executive-officer. Você pode eliminar qualquer um dos neurônios, cortar qualquer um dos fios e ainda fará pouca diferença – a informação e os processos são distribuídos através de uma região complexa.

Baseados nesses insights, desenvolvemos hoje uma série de modelos biologicamente inspirados. Este é o campo no qual trabalho, usando técnicas como "algoritmos genéticos" evolucionais e "redes neurais", as quais utilizam modelos biologicamente inspirados. As redes neurais atuais são matematicamente simplificadas, mas conforme obtemos um conhecimento mais poderoso dos princípios de operação das diferentes regiões do cérebro, estaremos em posição de desenvolver modelos biologicamente inspirados muito mais poderosos. Finalmente, poderemos criar e recriar esses processos, retendo suas maciçamente paralelas, caóticas e auto-organizáveis propriedades. Poderemos recriar os tipos de processos que ocorrem nas centenas de diferentes regiões do cérebro e criar entidades – que na verdade não serão de silício, eles estarão usando algo como nanotubos, provavelmente – que possuam a complexidade, a riqueza e a profundidade da inteligência humana.

Nossas máquinas hoje são ainda um milhão de vezes mais simples do que o cérebro humano, o que é uma das principais razões de elas ainda não possuírem as singulares qualidades de uma pessoa. Elas ainda não possuem nossa habilidade de "sacar a piada", de sermos engraçados, de entender pessoas, de responder apropriadamente a emoções, ou de ter experiências espirituais. Esses não são efeitos colaterais da inteligência humana, ou distrações; eles são as características mais sofisticadas da inteligência humana. Será necessária uma tecnologia da complexidade do cérebro humano para criar entidades que possuam tais formas atraentes e convincentes de características.

Voltando à realidade virtual, vamos considerar um cenário envolvendo uma conexão direta entre o cérebro humano e esses implantes baseados em nanobots. Existe um número de tecnologias diferentes que já foram demonstradas para se comunicar em ambas as direções entre o mundo úmido e analógico dos neurônios e o mundo digital dos eletrônicos. Uma dessas tecnologias, chamada de transistor neural, fornece essa comunicação ambígua. Se um neurônio dispara, o transistor neural detecta seu pulso eletrônico, então ocorre comunicação do neurônio para o eletrônico. Ele também pode fazer com que o neurônio dispare ou impedí-lo de disparar.

Para realidade virtual em imersão total, enviaríamos bilhões desses nanobots para assumir posições em cada fibra nervosa vinda de todos os nossos sentidos. Se você quer estar na realidade "real", eles ficam parados e nada fazem. Se quiser estar na realidade virtual, eles suprimem os sinais vindos dos sentidos reais e os substituem com os sinais que você estaria recebendo se estivesse no ambiente virtual.

Nesse cenário, teremos realidade virtual de dentro e poderemos recriar todos os nossos sentidos. Esses ambientes serão compartilhados, de forma que você pode ir até lá com uma ou várias pessoas. Ir a um Web site significará entrar em um ambiente de realidade virtual envolvendo todos os nossos sentidos, e não apenas os cinco sentidos, mas também emoções, prazer sexual, humor. Existem, na verdade, equivalentes neurobiológicos para todas essas sensações e emoções, que discuto em meu livro The Age of Spiritual Machines.

Por exemplo, cirurgiões conduzindo uma cirurgia de cérebro exposto em uma jovem mulher (acordada), descobriram que estimular um ponto determinado no cérebro da garota a fazia rir. Os cirurgiões pensaram que estavam apenas estimulando um reflexo do riso. Mas eles descobriram que estavam estimulando a percepção do humor: quando eles estimulavam esse ponto, ela achava tudo engraçado. "Vocês estão tão engraçados, aí de pé", foi uma observação típica.

Usando esses implantes baseados em nanobots, você poderia aumentar ou modificar suas respostas emocionais para experiências diferentes. Isso poderia fazer parte do revestimento desses ambientes de realidade virtual. Você poderia também ter corpos diferentes para experiências diferentes. Assim como as pessoas hoje projetam suas imagens de suas Web cams, de seus apartamentos, pessoas emitiriam todo o seu fluxo de sensações ou mesmo suas experiências emocionais para a Web, então você poderia, à la Quero Ser John Malkovich, experimentar as vidas de outras pessoas.

Finalmente, esses nanobots vão expandir a inteligência humana, nossas habilidades e instrumentos de várias formas diferentes. Devido ao fato de eles se comunicarem uns com os outros sem fios, eles podem criar novas conexões neurais. Elas poderiam expandir nossa memória, nossas faculdades cognitivas e habilidades de reconhecimento de padrões. Vamos expandir a inteligência humana ao expandir seu paradigma atual de conexões interneurais massivas, assim como através de conexões íntimas com formas não-biológicas de inteligência.

Poderemos também fazer o download de conhecimentos, algo que as máquinas podem fazer hoje e nós não. Por exemplo, passamos vários anos treinando um computador de pesquisa para entender a fala humana usando os modelos biologicamente inspirados – redes neurais, modelos Markov, algoritmos genéticos, padrões auto-organizáveis – que são baseados em nosso bruto entendimento atual de sistemas auto-organizáveis no mundo biológico. Uma grande parte do projeto de engenharia foi coletar dialetos diferentes e então expô-los ao sistema, deixando-o tentar reconhecer a fala. Ele cometeu erros, e então tivemos que deixá-lo se ajustar automaticamente e se auto-organizar para refletir melhor o que havia aprendido.

Após vários meses desse tipo de treinamento, houveram melhorias substanciais na sua habilidade em reconhecer fala. Hoje em dia, se você quer que seu computador pessoal reconheça fala humana, você não precisa gastar anos treinando-o detalhadamente da mesma forma, como temos que fazer com cada criança humana. Você pode simplesmente carregar os modelos evoluídos, chama-se "carregar o software". Dessa forma as máquinas podem compartilhar seu conhecimento. Não temos portas de download rápido em nossos cérebros. Mas conforme construímos equivalentes não-biológicos de nossos neurônios, interconexões e níveis de neurotransmissores, onde nossas habilidades e memórias estão armazenadas, não deixaremos de fora o equivalente de portas de download. Poderemos fazer o download de capacidades tão facilmente quanto Trinity baixa o programa que permite a ela voar um helicóptero B-212.

Quando você falar com alguém no ano de 2040, você estará falando com alguém que poderá ser de origem biológica, mas cujos processos mentais são um híbrido de processos biológicos e eletrônicos de pensamento, trabalhando intimamente juntos. Ao invés de estarmos restritos, como estamos hoje, a meras centenas de trilhões de conexões em nosso cérebro, poderemos expandir para algo substancialmente além desse nível. Nosso pensamento biológico é plano (restrito); a raça humana possui uma estimativa de 10 (elevado a 26) cálculos por segundo, e essa figura biologicamente determinada não vai crescer. Mas a inteligência não-biológica está crescendo exponencialmente. O ponto de cruzamento, de acordo com meus cálculos, será em 2030; algumas pessoas chamam esse período de Singularidade.

Ao chegarmos a 2050, o volume maior de nosso pensamento – que em minha opinião ainda é uma expressão da civilização humana – será não-biológico. Não acredito que o cenário de Matrix, de inteligências artificiais em conflito mortal com humanos, seja inevitável. A essa altura, a porção não-biológica de nosso pensamento ainda será pensamento humano, porque será derivado de pensamento humano. Sua programação será criada por humanos, ou criada por máquinas que foram criadas por humanos, ou por máquinas que são baseadas na engenharia reversa do cérebro humano, ou em downloads de pensamentos humanos, ou uma das várias outras conexões diretas entre o pensamento de humanos e máquinas que não podemos sequer contemplar, hoje.

Uma reação comum a tudo isso é a da visão distópica, porque estou "colocando humanidade com máquinas". Mas isso é porque a maioria das pessoas têm um preconceito contra máquinas. Muitos observadores não entendem verdadeiramente do que as máquinas serão capazes, porque todas as máquinas que eles já "conheceram" são muito limitadas, comparadas a pessoas. Mas isso não será verdade para as máquinas ao redor de 2030 e 2040. Uma vez que máquinas são derivadas da inteligência humana e são milhões de vezes mais capazes, teremos uma consideração diferente por máquinas, e não haverá uma distinção clara entre inteligência humana ou das máquinas. Vamos efetivamente nos fundir com nossa tecnologia.

Nós já estamos num bom pedaço dessa estrada. Se todas as máquinas no mundo parassem hoje, nossa civilização seria esmagada e estacionaria. Isso não seria verdade há poucos trinta anos. Em 2040 a inteligência humana e a das máquinas estará profundamente fundida. Nos tornaremos capazes de experiências muito mais profundas, de muitos e diferentes tipos. Seremos capazes de "recriar o mundo" de acordo com nossa imaginação e adentrar ambientes tão incríveis quanto o visto em Matrix mas, assim esperamos, um mundo mais aberto à expressão criativa e à experiência humana.

Fontes

The Age of Spiritual Machines: When Computers Exceed Intelligence, Raymond Kurzweil (Penguin USA, 2000).

© 2003 BenBella Books. Publicado no KurzweilAI.net sob permissão.